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A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO AFASTAMENTO DE PESSOAS DO GRUPO DE RISCO POR MEIO DE DECRETOS ESTADUAIS

  • Foto do escritor: Alfredo Goes
    Alfredo Goes
  • 28 de mai. de 2021
  • 3 min de leitura

Izabela de Oliveira Trajano

Alfredo Goes


Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o estado de pandemia de COVID-19. Desde então, há o esforço conjunto entre os poderes Legislativo e Executivo na elaboração de medidas de contenção contra o novo coronavírus. No Estado do Maranhão, desde a declaração de estado de calamidade pública, por meio do Decreto n° 35.672, de 19 de março de 2020, o governo estadual tem editado uma série de normas com medidas de prevenção do contágio e de combate à propagação da transmissão da COVID-19.

No âmbito de tais decretos, uma disposição merece ressalvas. Trata-se da previsão de dispensa dos grupos de maior risco, presente em Decretos anteriores e reiterada no Decreto n° 36.531, de 03 de março de 2021. Assim dispõe a norma:

Art. 9º Visando minimizar a exposição ao vírus, de 05 a 14 de março de 2021, todos os empregados e prestadores de serviço, inclusive de empresas privadas, que pertençam aos grupos de maior risco ficam dispensados do exercício de suas respectivas atribuições de forma presencial.

Ocorre que a elaboração de decretos estaduais que regulam relações trabalhistas incide em matéria de competência privativa da União, nos termos do art. 21, XXIV e art. 22, I da CFRB de 1988.

O governo federal priorizou a mitigação dos efeitos econômicos da pandemia decorrentes do estado de calamidade pública (vide Medida Provisória 927, de 2020 e a mais recente MP 1.046, de 2021) e deixou de regular disposições mandatórias específicas a respeito da proteção dos trabalhadores do grupo de risco, tendo emitido tão somente recomendações preventivas, que por sua própria natureza não são vinculantes. Como exemplo disso, pode-se citar a recomendação elencada na Portaria Conjunta n° 20, de 18 de junho de 2020, do Ministério da Saúde e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, que preconiza a priorização do trabalho remoto para os grupos de risco.

Apesar da omissão, a matéria permanece privativa da União, e não cumpre aos Estados regulá-las por decretos. Mesmo diante da inércia federal, os entes federativos não podem criar hipóteses de afastamento remunerado compulsório, hipóteses que necessária e especificamente incidem no âmbito trabalhista.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal tem firmado o entendimento de que "o interesse local na preservação da saúde pública não legitima os entes subnacionais a expedir normas de segurança do trabalho e proteção da saúde do trabalhador, que pertencem à competência privativa da União", conforme recordado pelo Ministro Gilmar Mendes em julgamento de ação direta de inconstitucionalidade 3.811 contra a Lei Estadual 4.735/2006 do Rio de Janeiro. Em seu voto, o Ministro citou como precedentes os julgamentos da ADI 2.609 e ADI. 1.803.

Portanto, entendemos que o art. 9° do Decreto Estadual n° 36.531 encontra-se eivado de vício de inconstitucionalidade, dada a ausência de competência legislativa do ente federado para dispor acerca de relações trabalhistas.

Ressalte-se que existem outras formas de evitar a circulação de pessoas sem incidir na usurpação de competência. A decretação de lockdown por estados e municípios é perfeitamente possível: estados e municípios, no âmbito de suas competências e em seu território, podem adotar, respectivamente, medidas de restrição à locomoção intermunicipal e local durante o estado de emergência decorrente da pandemia do novo coronavírus, sem a necessidade de autorização do Ministério da Saúde para a decretação de isolamento, quarentena e outras providências, desde que embasadas em informações e dados científicos, conforme julgado na ADI 6343, no Supremo Tribunal Federal.

O Decreto Estadual n° 36.531 em estudo falha ao não prever a restrição de circulação de pessoas em ambientes públicos e privados. Houve a suspensão para realização de reuniões e eventos, mas restaurantes, parques, shoppings e outros ambientes públicos e privados permaneceram abertos e sem restrição para o acesso. Ora, do que adianta afastar um funcionário do ambiente de trabalho, se os demais espaços continuarem acessíveis para circulação?

Malgrado seja o debate, independente da obrigatoriedade ou não do afastamento compulsório dos pertencentes ao grupo de risco, permanece o dever da empresa em manter condições de trabalho saudáveis, preservar a saúde e vida de seus empregados e adotar os protocolos de segurança contra o COVID-19, com base em disposição constitucional prevista no art. 7°, XXII da CFRB/88, o qual aduz que é direito do trabalhador urbano e rural “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”, e no art. 157, I da Consolidação das Leis Trabalhistas, o qual impõe às empresas “cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho”, bem como nos princípios trabalhistas da função social da empresa e o princípio da precaução e convenções da Organização Internacional do Trabalho incorporadas no Brasil.

 
 
 

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1 comentário


Jorge Fernando
Jorge Fernando
28 de mai. de 2021

Infelizmente, o que vemos são os entes federativos sendo "forçados" a usurpar competência em face da inépcia letal da União. Dito isso, a falta de diálogos e da tomada de decisão a nível estratégico, por um poder competente durante o contexto de pandemia, vão precisar ser estudados por anos a fio quando essa crise acabar!


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